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Mais que exercício, o tecido acrobático é arte

Como a professora Amanda Baptista mudou totalmente de vida e criou um método que facilita o aprendizado do exercício

reportagem: lorena aguiar

edição: letícia sarinho

Para muita gente, uma das lembranças mais comuns da infância são as idas ao circo e a sensação de que o que é assistido lá é bastante difícil de ser imitado. É o caso dos movimentos feitos no ar, como o tecido acrobático. No entanto, no Recife, a professora de acrobacias aéreas Amanda Baptista, 34 anos, criou um método por meio do qual qualquer pessoa pode aprender a atividade.

Apesar de ter visto alguém praticando tecido pela primeira vez aos 11 anos, pela televisão, foi somente aos trinta que Amanda incorporou esse exercício físico à rotina. “Foi incrível, me transformou e mudou tudo na minha vida. Larguei o que fazia para trabalhar só com isso. Depois do meu filho, foi o encontro mais especial que tive na vida”, explica.

Antes de entrar para o ramo dessa arte circense, Amanda trabalhava no meio jornalístico, profissão na qual é formada. Em 2017, após três anos de prática aérea, decidiu largar a profissão de comunicadora e criar o seu espaço próprio, a ‘Companhia Lírica no Ar’, situada na rua Vigário Tenório, no bairro do Recife Antigo. Com o nome ‘Fragmentado’, o método criado por Amanda consiste em dividir os complexos movimentos em partes menores. “A partir dessa ideia, qualquer pessoa pode aprender. A gente acolhe pessoas de todos os pesos, idades e trabalhamos com o movimento autêntico de cada uma”, detalha.

“É uma prática física, meditativa, artística e terapêutica”, revela Amanda. Mesmo com todas essas características, ela não considera o tecido acrobático um esporte, visto que a competição, fator essencial, tira a originalidade e a expressão individual, indispensáveis no caso da arte aérea. Apesar disso, a atividade proporciona diversos benefícios físicos, como consciência corporal, coordenação motora, força, equilíbrio e elasticidade. 

A prática acrobática tem como diferencial o estímulo à concentração total no momento presente. Por isso, para a professora e praticante, o impacto mais benéfico é na saúde mental. “O tecido trabalha com a ideia de foco a todo momento, que faz o equilíbrio emocional chegar e haver um estado meditativo. É meu trabalho e, também, meu refúgio espiritual, porque eu me encontro comigo mesma”, relata. 

 

Com uma rotina agitada, além de fazer a sua própria prática diária de três horas, a professora dá aulas de tecido todos os dias da semana, exceto aos sábados. A sua inspiração para trabalhar com essa expressão de arte é primeiramente sua mãe, artista plástica e ativista e, também, as alunas. “Cada uma tem uma historinha diferente e trazem isso para mim. Elas somam, se abrem, e isso é muito importante para construir minha própria história e aprender com elas”.

Assim como mudou a vida de Amanda, o tecido também foi responsável por aprimorar a visão que uma de suas alunas, Eduarda Freire, tinha da arte. A jovem, de 19 anos, começou a praticar as acrobacias aéreas há nove meses e conta que foi amor à primeira vista. “Senti muita facilidade e tive uma conexão muito rápida. O tecido é muito abrangente e abriu um lado meu que eu não sabia que existia, que é o lado da arte”.

Desde a aula experimental, Eduarda treina na ‘Companhia Lírica no Ar’, nas terças e quintas, das 10h às 11h30. Mesmo com poucos meses de prática, a dedicação foi tão grande que ela já é monitora, nas sextas e aos domingos. Para ela, o espaço faz toda a diferença. “O tecido é coisa já de alma. Não importa o meu estado, quando eu vou para lá, eu fico bem”, afirma.

Além das aulas rotineiras, ao fim de cada semestre, a Companhia faz apresentações abertas ao público. A mais recente foi em junho, no teatro de Santa Isabel, com o tema ‘Zodíaco’, explorando as características dos 12 signos astrológicos. Eduarda foi uma das participantes e conta que o que mais gosta no tecido são as diversas possibilidades que ele proporciona. “Posso experimentar, criar uma sequência nova e até coreografias com músicas”.

Beatriz Guedes, de 20 anos, entrou para o tecido por incentivo de amigas e, diferentemente da academia, se apaixonou desde o início. “Sempre quis ter uma rotina de exercício físico, mas fazia forçada. Estava precisando de um momento mais intimista e no tecido você tem que focar muito em você, então esse processo de me desvincular da realidade fez muito bem. Trouxe um cuidado com o meu corpo que não tinha antes”, conta.

Para Bia, como é chamada por todos, o tecido é a prova de que o ditado “mente sã, corpo são” é totalmente verdadeiro. “Sinto que trabalho o corpo, a mente e a criatividade, tudo ao mesmo tempo”, explica. No entanto, é necessário lutar contra a ansiedade de querer aprender muitas acrobacias de uma vez só. “É um exercício de muita paciência, você tem que respeitar o seu tempo, entender a mecânica do exercício, para depois poder aplicar”, detalha.

Além de ajudar o corpo e a mente, Beatriz percebe o impacto artístico dos exercícios no dia a dia: fica mais livre, solta e expressiva. Apesar de ter conquistado muitos adeptos nos últimos anos, o tecido está longe de ser uma das atividades mais realizadas pela população. Para Bia, a prática diferenciada dos padrões impostos pela sociedade significa identificação. “Não sou uma pessoa convencional e fui escolhida pela atividade. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido”, revela com entusiasmo. 

Em uma turma com 12 alunos, apenas um é homem, prova de que é um exercício com participação majoritária de mulheres. No entanto, Gabriel Dantas, de 28 anos, faz parte dessa minoria masculina e tem uma história antiga com o tecido acrobático. Entusiasta de circo desde a infância, sempre praticou outras modalidades circenses mas em 2011 começou a arte aérea. “O tecido mudou muita coisa na minha vida. Sempre me expressei muito através da música, e fazer isso através do corpo foi algo completamente diferente. Trabalhou a improvisação e a timidez também”, explica.

Na sua visão, a atividade se diferencia das convencionais por trabalhar ainda mais fatores além do corpo e da mente, como a interação e a capacidade cênica. No entanto, para ele, os maiores obstáculos ainda estão relacionados à questão corporal. “É sempre um grande desafio fazer algo que demande mais alongamento e ter uma consciência corporal tridimensional com o espaço, não só com o chão”, explica. Mas também há vantagens. “O modo como nos movimentamos no tecido cria uma nova forma de entender o corpo”, afirma.

Apesar de ser acostumado a se movimentar cerca de 20 km por dia de bicicleta, seu meio de transporte, as posições no tecido ainda são instigantes. “Saio da minha zona de conforto, é muito bom. Se torna uma coisa verdadeira e eu penso que, assim como qualquer expressão artística, se você acredita no que faz, você acaba tocando outras pessoas”, finaliza.

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