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Sport 7 x Ivete 1

tereza ferraz

Saudações, amigos!

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Hoje é dia de clássico pernambucano: o jogo dos jogos, o duelo dos duelos, a guerra das guerras. Ele mesmo: o Clássico dos Clássicos. Nas ruas do Recife, a cidade ferve. Sport de um lado, Náutico do outro, as bandeiras das seleções pernambucanas enfeitam os sinais de trânsito – colocadas por vendedores espertos -, e as costas dos mais fanáticos torcedores da capital. Não é qualquer jogo: é duelo, batalha, festa e celebração. É clássico.  

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Enquanto vejo a movimentação das massas rubro-negras e alvirrubras, me recordo, caríssimos, do maior Clássico dos Clássicos que já fui. O Épico dos Clássicos, o crème de la crème da história do futebol pernambucano. 

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O ano era 2013, assustando o mais supersticioso dos torcedores. A Ilha do Retiro ardia, pelo sol recifense e pela aglomeração de pessoas. Era como show de Ivete Sangalo no carnaval de Salvador. Do lado de fora, a micareta era o ônibus rubro-negro, recebido com gritos de guerra, sinalizadores e pulos da Torcida Jovem. Dentro, o campo formava o palco: verde, ordenado como há muito não se via, decorado com o escudo do leão atrás de cada uma das traves.

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Fui às cadeiras. Meu pai, que já encontrara os amigos, equilibrava uma cerveja no bracinho da cadeira – o copo cheio até a borda. O clima era o de sempre: seu Mário comia amendoins, seu Armando focava a visão em seu binóculo (“para não perder nenhum lance”, dizia), e seu Nelson já sintonizava o rádio de pilha, alimentando sua estranha mania de ouvir no transmissor tudo aquilo que estava vendo ao vivo e a cores. 

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Do lado esquerdo, a massa amarela da Jovem pulava, fazendo a arquibancada tremer. À frente, os tradicionais bandeirões vermelho e preto começavam a ser estendidos. À direita, a torcida alvirrubra também fazia barulho. Era um caos auditivo e uma pintura visual. Os times entraram em campo. Perfilados, segurando as mãos das pequenas crianças que os acompanhavam como se vissem o próprio Pelé, os jogadores tentavam cantar o hino do estado, abafados por gritos de “SPORT! ” e “N-Á-U-T-I-C-O! ”. 

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Chegava então o momento do verdadeiro hino. Enquanto os jogadores, os artistas, os poetas da bola se colocavam em posição, a torcida rubro negra se levantava, as palmas chocando-se umas contra as outras, batendo como uma só. A Fanáutico tentava competir, mas eram muito mais leões que timbus naquele momento.

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“PELO SPORT NADA?!”, gritava o locutor da Ilha. “TUDO! ”, respondemos em uníssono. “PELO SPORT NADA?!” “TUDO! ”. “Então como é, como vai ser e para sempre será?!”. O leonino que se preze tem a resposta na ponta da língua. “CAZÁ, CAZÁ, CAZÁ, CAZÁ, CAZÁ! A TURMA É MESMO BOA, É MESMO DA FUZARCA! SPORT, SPORT, SPORT! ”, gritava a torcida, sem saber o que era “cazá” ou mesmo o que quer dizer “ser da fuzarca”.

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Honestamente, de que importava? Gritando Sport no final, valia tudo.   

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Finalmente, amigos, apita o árbitro. Tudo é um grande vulto. Bola pra lá, bola pra cá. Gritos de um lado e do outro. Palavrões, é claro, marcam presença, para exaltar e ofender, desde à torcida adversária até à pobre da mãe do juiz. Na fileira embaixo da minha, o rádio de seu Nelson funcionava a todo vapor, o locutor narrando o jogo com uma emoção inigualável, sem respiros, como se sua vida dependesse daquele momento. Mas afinal, como falar de futebol sem ser desse jeito, amigos?

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Caríssimos, o relógio já marcava os 25 minutos do primeiro tempo quando o primeiro poema foi feito: Sport 1, Náutico 0. A torcida foi ao delírio, ao êxtase. Se fosse, de fato, o show de Veveta, “o chão da terra tremer” faria o maior sentido. Estava, sim, rolando a festa. Os bandeirões se abriram como céu azul depois da chuva, as camisas saíram dos corpos e viraram ventiladores nas mãos da galera. Seu Armando custava em segurar o binóculo, cego pela embriaguez da vitória. 

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A embriaguez se seguiu. Até hoje, amigos, não consigo entender o que aconteceu. O relógio marcava os 32 quando o Sport pintou o segundo gol. E, a partir daí, a porteira foi aberta. “Onde passa um boi, passa uma boiada”, já dizia um torcedor fanático que conheci numa partida contra o Ceará. E a boiada passou. Um, dois, três. Fim do primeiro tempo: Sport 5, Náutico 0.

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Os rubro negros gritavam, surtavam, enlouqueciam, sorrindo como bêbados no estado da riqueza, que promete pagar rodadas para todo o bar. Os alvirrubros – parte deles já indo embora -, também viviam a própria embriaguez, porém, no estado do choro, da tristeza dolorosa que faz ter vontade de ligar para a ex.

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O segundo tempo, se vocês bem lembram, foi mais lento. O Sport tira o pé do acelerador, ainda assim, fazendo mais 2 gols. No lado direito da Ilha do Retiro, só restavam os mais fiéis dos alvirrubros, que acreditavam no casamento futebolístico: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Aos 41 do segundo tempo, o gol da dignidade. O juiz –que já não era mais xingado -, não deu acréscimos. O que haveria a acrescentar? Fim de jogo: Sport 7, Náutico 1. 

A festa foi ensurdecedora. Ivete, em Salvador, conseguia ouvir os gritos e ver a fumaça dos sinalizadores dos rubro negros, que comemoravam como se fosse final de campeonato. Mas, caríssimos, era mais que final: era Clássico dos Clássicos. 

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Um ano mais tarde, chegou a Copa do Mundo. Mineirão, semifinal. Brasil 1, Alemanha 7. Outro 7 a 1. Os rubro negros entenderam a dor dos alvirrubros. Os alvirrubros, quase desejaram, pelo menos uma vez, serem rubro negros.

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