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Paixão que se veste

Mais que simples peças de roupas, as camisas de time simbolizam e fortalecem a relação entre os clubes e torcedores

reportagem: tereza ferraz

edição: letÍcia sarinho

Ao longo dos anos, a Amarelinha mudou com a sua seleção

Quando o Rei Carlos II oficializou a prática do futebol na Inglaterra, ainda no século 17, provavelmente não imaginava as dimensões que o novo esporte tomaria. Hoje, no século 21, a paixão nacional dos brasileiros se manifesta no grito, amor e até nas roupas da torcida. Manto Sagrado é o apelido carinhoso delas: as camisas de time, fundamentais numa relação, de fato, quase religiosa entre o torcedor e seu clube do coração. 

Lançadas anualmente, em diversos padrões (de jogo, treino, viagem etc), as camisas oficiais dos times de futebol ajudam a mover a economia de artigos esportivos. No último mês de agosto, por exemplo, antes mesmo do lançamento oficial do novo uniforme do Sport Club do Recife, 40 mil artigos foram vendidos para os lojistas. Em 2017, a Cobra Coral, marca própria do Santa Cruz Futebol Clube, vendeu cerca de 10 mil camisas, em dois meses, arrecadando, aproximadamente, R$ 500 mil. O retorno é tanto que, hoje, 16 clubes das quatro divisões do Brasileirão têm suas próprias marcas. Uma boa venda gera até popularidade, como mostra o Ranking das  Camisas da loja Centauro, criado em 2015. 
 

Curiosamente, nem sempre foi fácil esse acesso aos Mantos Sagrados. Nos anos 80, por exemplo, a revista esportiva Placar dava dicas para que os torcedores conseguissem sua própria camisa. Como na época não havia um sistema de distribuição — isto é, poucos clubes investiam nas camisas como negócio —, a maior parte das peças era adquirida por meio dos próprios jogadores e funcionários.    






















                   
 

 

Esse não é o único choque de realidade ao compararmos a vida do torcedor do século 20 com a do torcedor moderno. As próprias camisas eram diferentes, em material e estilo, passando por uma longa jornada até chegar ao modelo que vemos hoje. Confira na linha do tempo abaixo.

 

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Revista Placar anos 80: o mapa da mina para chegar à camisa do time do coração. Foto: Humberto Peron, via Twitter

UM POR TODOS

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Juntamente com as cores, bandeiras e demais símbolos, as camisas são parte importante da relação entre o torcedor e o time, por possibilitarem algo que buscamos na vida em sociedade: a sensação de pertencer a um grupo. “Elas são como um documento de identidade para os torcedores e jogadores, que os faz serem reconhecidos e diferenciados”, explica a psicóloga Aldineide Pereira. “No momento em que se veste uma camisa de time, não se questiona a origem de cada um, nem o espaço que ocupam na sociedade. Todos passam a fazer parte de um coletivo, estão unidos”, afirma.

De acordo com Aldineide, essa identificação no simples ato de vestir uma camisa é fundamental para instituições como os clubes de futebol. "Quando as pessoas se identificam fortemente com o grupo do qual fazem parte, elas mantêm o comprometimento com ele, mesmo que num contexto desfavorável”, aponta. "Isto explica o porquê de muitos torcedores se manterem fiéis aos times diante de consecutivas derrotas e rebaixamentos para divisões inferiores”. A psicóloga ainda explica que, devido a essa identificação, muitos torcedores se sentem parte ativa da torcida, acreditando, inclusive, que são responsáveis por boas apresentações do seu time, por exemplo.


Essa identificação é percebida pelos torcedores. Confira no infográfico a seguir:

POR TRÁS DA CAMISA: O TORCEDOR
 

“Acho que a camisa do time é o principal símbolo dele. É onde estão as cores e o escudo, então, usar a camisa no dia a dia, mostrando que tem muitas, é uma forma de mostrar que você ama aquele time, que faz parte daquela nação. No momento que paro de ter essas camisas ou de andar na rua com elas, sinto que não estou sendo presente na vida do meu time”, explica Pedro Freire, de 20 anos, estudante de Direito. 
    
Alvirrubro desde o berço, ele faz questão de ter camisas do Náutico, comparando a experiência com a de outros fãs. “É parecido com o pessoal que vai ver um filme de super-herói e se fantasia. É querer mostrar que faz parte daquilo, que aquilo te representa”, conta. “É uma forma de aumentar o vínculo com o time”.
    
Além de serem especiais no campo, as camisas podem se tornar marcos. É o caso da preferida de Pedro, o padrão mais recente do Timbu. “Foi a primeira camisa que comprei com o meu dinheiro, do meu salário. Tirei uma parte e comprei. Ela é muito bonita. É feita pela marca própria do Náutico, então só ele está envolvido no processo. Comprar ajudou mais ainda o clube”, conta o torcedor.

DE FAZER AS CONTAS


Há um ditado que diz que todo mundo faz uma coleção nessa vida. A de Matheus Cavalcanti é de camisas do Sport. “Não tem explicação, é paixão mesmo pelo time”, diz o colecionador, que possui mais de 120 camisas do Leão — talvez 130, já que há um tempo ele não conta. 

Rubro negro por influência familiar, ele começou seu acervo em 2012. "Tenho um amigo que também tem uma coleção enorme de camisas do Sport e achava interessante que todo jogo ele ia com uma diferente e eu, apesar de ter várias, só ia com uma”, explica. "Aí comecei a todo jogo ir com camisas diferentes e a comprar toda linha do Sport que lançasse”. Hoje, sua coleção inclui, além dos padrões de jogo, camisas retrô, comemorativas, de goleiro, de treino, de passeio e concentração. 

A primeira delas foi presente do pai, no dia do seu nascimento. “Nasci de manhã e o Sport jogou à tarde e, mesmo assim, o meu pai foi pro jogo. Voltou com a camisa do Sport. É uma pequenininha. Pretendo passar para meus filhos, então vou guardá-la com muito cuidado”, explica. Até lá, Matheus pretende não só ampliar, como fazer bom uso de sua coleção, vestindo — literalmente — a camisa. "É diferenciado. Você vai (para o estádio) à caráter, passando energia para a equipe, representando. Não só no estádio como em qualquer lugar”, explica. 
 

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Foto: Acervo PessoaL

Matheus na final do Pernambucano de 2019, com sua camisa retrô, de 1955

MAIS QUE UM TECIDO: MOMENTOS


Diego Henrique tem 26 anos e 14 camisas do Santa Cruz. “A ideia é comprar apenas as que chamam minha atenção. Gosto das camisas diferentes. Das cores, de algum detalhe especial”, explica. Filho de família tricolor, o estudante de Engenharia Civil coleciona, de fato, ingressos. “É para guardar um pedacinho dos jogos que fui e mostrar pros meus netos”. O mais especial deles: Santa Cruz x Corinthians, de 2006. “Talvez esteja até ilegível, pelo tempo. Nunca vi o Arruda tão cheio”, lembra, referindo-se ao Estádio José do Rego Maciel, casa do tricolor recifense. 
    
Apesar da pequena coleção, as camisas de Diego guardam histórias. “A minha primeira camisa foi tão usada que rasgou. Ganhei aos 12 anos”, conta. Sua favorita, no entanto, é outra. “É uma com listras verticais, tricolor, deixada pelo meu tio Nildo, que era louco pelo Santa. Ele deu a camisa para minha mãe quando eu era muito pequeno para usar. Quando fiquei maior, ela me deu”, explica. 
    
Para ele, o uniforme do Santa Cruz é obrigatório em dia de jogo. “Ir ao estádio sem a camisa é o mesmo que não ir”, afirma. “Ajudo o time a crescer de alguma forma, além de espalhar seu nome pelos lugares que for. A sensação, ao usar a camisa, na partida, é a de participar do jogo”, finaliza. 
 

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