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O ego que degringolou o menino prodígio

BARBARA rodrigues

Julho de 2013, no calor do sol típico do inverno pernambucano, os gritos dos adolescentes naquela quadra abafada, que mais pareciam as trombetas do apocalipse, anunciavam o jogo que estava por vir no horário do almoço. Era a final do campeonato juvenil de vôlei, a época já era conhecida, gente de todos os colégios, e até de fora, vinham assistir os jovens jogando como se nada mais no mundo importasse - até porque estavam no ensino médio de escolas particulares, então nada mais importava de fato -. Os times não eram nada amigos, já tinham acontecido outros combates. Na verdade, todo ano era a mesma coisa, sempre no mês de julho os dois se encaravam por uma rede e batiam na bola com tanta força que chegava a dar pena daquele objeto inerte.   

Faltavam poucos minutos para que o primeiro saque fosse dado, os jogadores dos dois times já estavam aquecendo em quadra. A estrela do ano era, mais uma vez, José Lucas, apelidado pelos amigos de Zé, as fãs também o chamavam assim. Zé era popular entre as moças por ser um moreno, alto, bonito, forte e um detalhe especial que eram seus olhos puxadinhos, daria fácil para ser um daqueles modelos de lâmina de barbear nos comerciais da TV. O galã aparecia com uma namorada nova todo ano após o campeonato, houve até uma época em que a escritora desse texto quase foi a “sortuda”, mas ele fez muito charme e ela, impaciente, o mandou pastar. 

Deixando de lado a formosura do garoto, todos ali sabiam que Zé era um prodígio, a rotação do voleibol não era um problema, o jovem conseguia jogar perfeitamente em todas as posições. A cereja do bolo era o seu “quê” de liderança, super compreensível mas também firme nas ordens, não era atoa que um jovem de 16 anos já conseguia impor respeito até mesmo nos adversários e na bancada técnica do campeonato. Naquela época, até já tinham olheiros gananciosos pelo seu talento. Zé brilhava!

Foi dada as ordens para que os jogadores se cumprimentassem e fossem para suas respectivas posições, mas nenhuma alma viva nos dois times se moveu ou esboçou um sorriso, o que já não era surpresa para ninguém ali.

Nem mesmo as torcidas se falavam, pelo menos não naquele dia, a final do campeonato era sagrada. O jogo começou e seguiu bem até o final do primeiro set; com “bem” quero dizer muitos gritos, angústia e rápidas sensações de infarto, fora isso tudo sob controle. O time liderado por Zé foi o vencedor da primeira batalha.

O clima pesou no segundo set, o adversário não estava disposto a mais um ano subir no segundo lugar do pódio. A essa altura, a torcida estava tão apreensiva que mesmo as comemorações a cada ponto feito eram rápidas para não tirar a concentração do jogo, não haviam mais unhas para roer e nem ar para respirar. O placar já estava 20 x 18 para o time de Zé, porém seu rival permanecia inabalável, até que, pelo desespero, o atacante do time adversário, alto e magro, famoso Pipito, bateu a bola tão forte contra o bloqueio, que a bem dita saiu em disparada atravessando a linha traseira. 

O tiro saiu pela culatra, Zé foi para o ataque dianteiro, foi lindo ver a rotação do seu time, digna do Ballet Bolshoi. A torcida foi testemunha, era de dar dó o olhar de Pipito para Sassá, seu líder, a súplica de perdão para o seu técnico e para o resto do time transparecia naqueles olhos esbugalhados, há quem diga que os viram lacrimejando. A quadra estremeceu em gritos, parte em comemoração, parte em raiva, pois todos já sabiam: era o fim das esperanças para o time de Pipito.

Não demorou muito para o que todos ali esperavam finalmente se concretizasse. Rafael, defensor do time de Zé, sacou a bola com a mesma gentileza que tinha acariciado os cabelos da namorada no intervalo. Os jogadores estavam mais calmos que nunca, em contrapartida da torcida, que não conseguia mais calar a boca e nem esperar o fim do jogo para fazer a festa. Pipito ainda tentou se redimir e defendeu os dois primeiros ataques de Galego, o atacante da esquerda; Sassá preferia a morte do que bater para a direita, a torcida rival tapava os olhos na menor ameaça da bola ir naquela direção. Enquanto isso, Zé sorria de deboche ao ver as acrobacias que seus adversários faziam para evitar o inevitável. Zé era bom, era temido, mas precisava ser mais humilde.

Até que enfim o menino estrela pegou na bola, o seu ataque foi tão rápido que mentiu quem disse que viu, só deu para escutar o barulho da palma da mão de Zé batendo na bola, e a mesma quicando no chão, físicos ainda não sabem explicar como ela não estourou naquele exato momento. Acabou o drama, mais um ano Zé seria eleito o melhor jogador da liga escolar estadual, para inflar ainda mais o seu ego. 

Mas, se engana quem pensa que as cortinas se fecharam no momento em que eles botaram a medalha dourada no pescoço, não mesmo! Jovem e inconsequente que era Zé, não respeitou o momento de frustração do time adversário e sua torcida, que por mais um ano tinha oferecido a própria quadra para ser o palco da sua derrota. O menino deve ter pensado que de fato era de ouro, ou de qualquer outro material sólido, só assim para explicar tamanha loucura pelo que ele fez.

Zé surtou, subiu em uma elevação da quadra e tirou a faixa da torcida da casa, rasgou e jogou no chão. Naquele momento, o que era para ser festa e euforia, se tornou um pandemônio. Pipito, que já não estava tão calmo, deu um belo de um soco no rosto de Zé, acertando em cheio seu nariz. O sangue escorreu pelo rosto do garoto, e o galã quando furioso já não parecia mais tão bonito assim, não se sabe se ele estava com raiva pelo soco, ou se foi por que quando viu seu próprio sangue percebeu que era um ser humano normal.

O resto da tarde correu entre murros, chutes, voadoras, insultos, cadeiradas… Só parou quando a polícia chegou e evacuou a quadra, mandando todos de fora do colégio embora, deixando só os donos da casa por lá. A essa altura, não tinha mais o que se comemorar, todos, sem exceção, estavam machucados e assustados - esta quem vos escreve se acabava de tanto chorar -. 

O final dessa novela é triste, mas também reflexivo. Zé foi expulso da liga, perdeu os títulos e a única fama que lhe restou foi de maloqueiro, os olheiros sumiram, as fãs se desencantaram, Zé não teve uma nova namoradinha pelo resto daquele ano, “bad boy” já estavam fora de moda desde os anos 90. Perdeu o seu futuro por conta de excessos, de que adiantava ser tudo aquilo que ele era, se não tinha o mínimo caráter? O treinador não permitiu que ele jogasse mais, perdeu a bolsa de estudos que tinha ganho por representar tão bem a instituição.

Zé sumiu, foi pra outro estado tentar começar de novo, ninguém sabe que fim levou. Nunca foi visto na TV ou em qualquer matéria esportiva por aí. Uma pena, todos acreditavam na possibilidade de vê-lo um dia nas olimpíadas, também em outros campeonatos a altura do talento e habilidade que ele tinha. O ex menino de ouro com certeza nunca mais vai esquecer a humildade e o respeito no sofá quando for sair de casa. 

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