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Histórias de vida e a conexão com grupos de corrida

Como duas pessoas se envolveram no mundo da corrida e influenciaram outras a seguirem o mesmo caminho

reportagem: lorena aguiar

edição: letícia sarinho

A corrida é praticada desde os primórdios da humanidade pelos homens que precisavam caçar ou fugir de predadores. Desde o século 18, há relatos de corridas de rua na Inglaterra. Mas foi somente na primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos, que aconteceram em Atenas, na Grécia, no ano de 1896, que a maratona passou a ser considerada uma modalidade olímpica. A partir daí, pessoas do mundo todo foram impulsionadas a praticar o esporte, que se popularizou na década de 70, ocupando ruas, praias e praças. 

Se praticada regularmente, a corrida pode trazer diversos benefícios ao corpo. Segundo a fisioterapeuta Renata Limaverde, esse esporte tem a capacidade de melhorar a qualidade e a expectativa de vida, proporcionar condicionamento físico, fortalecer a musculatura e os ossos, auxiliar no emagrecimento e aumentar os condicionamentos cardiovascular e cardiorrespiratório. 

Qualquer pessoa pode correr, mas a profissional de saúde reforça a importância de um acompanhamento especializado. “É necessário ir a um cardiologista para realizar um check-up e procurar um fisioterapeuta desportivo ou um educador físico para que seja montado um treino adequado”, explica. Além disso, é essencial acompanhamento nutricional e se hidratar bastante.

Apesar de ser uma prática antiga, hoje, o esporte continua com muitos adeptos. Alguns deles preferem realizar a modalidade em grupo, como o aposentado Lula Holanda, de 65 anos. Sua história com a corrida começou em 2004, quando, aos 50 anos, foi despedido de surpresa da empresa em que havia trabalhado metade da sua vida. Com quatro filhos para sustentar, começou a desenvolver um quadro de depressão pela falta de emprego.

Por ter tempo livre e morar próximo ao parque da Jaqueira, na Zona Norte do Recife, Lula começou a frequentá-lo para fazer caminhadas diárias. O que era só um exercício físico virou hábito e, em menos de quatro meses, já estava realizando sua primeira corrida: a Corrida das Pontes, de 10 km.

Foi no começo do ano seguinte, em 2005, após outras provas realizadas e amizades feitas, surgiu a ideia de criar um grupo de corrida, a Acorja (Associação dos corredores da Jaqueira). Lula faz questão de frisar que a essência da associação continua a mesma. “A Acorja não é uma assessoria esportiva, é um grupo de amigos que corre, começou assim e é assim até hoje”, afirma.

A ideia lhe ocorreu após perceber os diversos benefícios que a corrida agregou à sua vida. Deixou para trás a ociosidade e o sedentarismo, mudou seus hábitos alimentares e obteve melhorias em seu Índice de Massa Corporal (IMC), além de passar a ler sobre corrida e qualidade de vida. “Não gostava de nenhum tipo de esporte, o meu esporte era o trabalho. Como essa mudança fez bem para mim, eu me propus a levar isso para outras pessoas”, relata.

Com o número de 105 maratonas no currículo, sendo 11 fora do Brasil, a primeira internacional que Lula participou foi a Maratona de Nova Iorque, em 2007. Depois, realizou provas em Atenas (2008), no Chile (2011), em Paris (2012), onde fez seu tempo recorde de 3h34min, em Roma (2013), em Berlim e Lisboa (2014), em Savannah nos Estados Unidos (2015) e a Maratona de Boston (2017), uma das mais famosas do mundo, que requisita índice de maratonas anteriores até para fazer a inscrição. No entanto, a mais especial da sua carreira foi realizada em 2010. “Uma coisa muito forte na minha vida foi fazer a rainha das ultramaratonas, a Comrades, que são 90 km na África do Sul”, explica.

Com uma rotina de treinos em que descansa somente na segunda-feira, o segredo do atleta conhecido por todos no parque da Jaqueira, é o que ele chama de “filosofia dos 3 F”. “Fé, força e foco. Fé para acreditar que você é capaz; força para sair da inércia, levantar mais cedo e ir à luta; e foco para determinar ‘eu quero isso’”, detalha. O sentimento é de gratidão pelo trabalho que realiza. “É muito gratificante ser reconhecido pela corrida, porque isso é levar qualidade de vida para outras pessoas”, conta.

O foco da Acorja são as maratonas, que têm percurso oficial de 42.195 m de distância, segundo a regulamentação internacional. Por esse motivo, o grupo não conta com treinos para iniciantes. Quem tiver interesse em participar do grupo, pode entrar em contato com Lula pelo telefone (81) 98861-1604, mas precisa estar acostumado a praticar em torno de 8 a 10 km. Atualmente, a associação já tem mais de 200 integrantes e os treinos são realizados nas terças, quintas e sábados. Durante a semana, às 5h e às 19h30, com percurso entre 12 e 15 km e, no sábado, às 5h30, o chamado “longão”, com uma média de 25 km. 

Quem faz parte da Acorja é Anderson Holanda, filho do fundador da associação. O historiador de 30 anos corre com o grupo há seis anos, e, durante esse tempo, já realizou tanto corridas brasileiras quanto internacionais, a exemplo da Maratona das Praias, em Pernambuco (2018), da Maratona do Rio, da qual participou três anos seguidos (2016, 2017, 2018), e da Maratona de Buenos Aires (2017).

Anderson tenta sempre encaixar três ou quatro dias de treino na rotina, percorrendo um total de 50 a 70 km por semana. Apesar de correr em grupo, revela que também gosta de praticar a modalidade solo. “Não abro mão de correr sozinho. Em grupo é sempre mais instigante, divertido e dinâmico, enquanto sozinho é mais reflexivo, meditativo e espiritual. Para mim é importante variar”, relata.

É fato que a corrida também pode ser realizada numa esteira em ambientes fechados, no entanto, para Anderson, não trás os mesmos benefícios. “Correr para mim é ocupar a cidade, as matas e montanhas, é sentir o vento no rosto, contemplar o céu e a natureza”, explica. 

A CORRIDA PELO OLHAR FEMININO

A corrida também é essencial na vida de Terciana Pereira que, desde os 16 anos, pratica o esporte devido ao incentivo dos pais. “Meu pai corria três vezes na semana, de 10 a 15 km no parque da Jaqueira. Minha mãe também caminhava, então íamos os três juntos. Eu ficava entre trotes e caminhada e fui pegando o hábito e aumentando minha prática”, relata.

A educadora física sempre teve o gene esportivo e, além dos pais, foi influenciada por mais membros da família. “Nas férias, fazia viagens para a praia com meus irmãos e primos, que são professores de educação física e também gostam de se exercitar, então a gente dava uma corridinha na praia”, conta.

Para ela, o grande diferencial desse esporte é a praticidade de apenas colocar um tênis e sair correndo pela rua, como ela confessa já ter feito diversas vezes. Além disso, mesmo se for praticado em grupo, ela conta que é um momento individual. “É um tempo para o autoconhecimento, em que você sai das obrigações da rotina e foca em você”. A paixão é tanta que desde a adolescência, Terciana não teve um período de tempo em que parou completamente de correr. A motivação para isso foi a necessidade de sentir as substâncias de bem-estar que o exercício libera no corpo.

A sua conexão com grupos de corrida começou quando ainda fazia faculdade e era estagiária de um deles no Recife. A partir do contato com as corredoras, começou a perceber que existiam dificuldades específicas para as mulheres, como a tensão pré-menstrual, questões fisiológicas e de humor. 

Inspirada por um grupo de corrida que tinha visto treinar em uma de suas idas ao Rio de Janeiro para cursos especializados em treinamento para corrida de rua, Terciana resolveu transformar a paixão pelo esporte em trabalho. Em 2010, criou o Femme, grupo especializado em treinamento feminino e padronizado pela cor rosa, que se preocupa com as particularidades do corpo da mulher.

Atualmente a assessoria esportiva conta com cerca de 50 integrantes de níveis variados. Para ingressar no grupo é necessário entrar em contato com Terciana pelo telefone (81) 99702-4426 para agendar uma avaliação. Tanto iniciantes quanto profissionais podem ingressar na assessoria, pois os treinamentos são personalizados para cada pessoa. O grupo se reúne nas terças e quintas, às 5h30, no parque da Jaqueira e nas segundas e quartas, às 18h, na Avenida Boa Viagem. Aos sábados, o treino é às 6h30 na praia de Boa Viagem. Aos domingos, o horário é às 6h, em locais variados e agendados com antecedência. 

Terciana reforça a individualização dos treinos. “O Femme não é só um grupo de corrida, e sim uma assessoria, então a média por treino é de uma hora, mas a distância vai ser equivalente ao nível de condicionamento de cada um”, explica.

Mesmo com uma rotina em que acorda diariamente às 4h30 para se dedicar ao treinamento de outras pessoas, Terciana tem ambições para o seu futuro de corredora. “Quero fazer a Maratona de Sables, atravessar 250 km do deserto do Saara em cinco dias. É a corrida dos meus sonhos”, conta. Para ela, o mais importante é tornar a prática prazerosa. “A corrida precisa trazer benefícios de bem-estar físicos e emocionais”, relata.

Uma das participantes do Femme é Rosane Cavalcanti. Aos 30 anos, a biomédica foi introduzida às corridas de rua e, mesmo sem gostar de praticar esportes, se identificou com a variedade de pessoas no treino. De lá para cá, já se passaram oito anos e Rosane até participou de corridas fora de Pernambuco, como a Women’s Half Marathon, em São Paulo e a 12ª meia-maratona das Cataratas, em Foz do Iguaçu. Para ela, a corrida foi importante para ensinar lições pessoais. “Mostrei a mim mesma que tenho que olhar para frente sempre, não importa em qual situação”.

Nice Cavalcante, psicóloga de 54 anos, pratica o esporte há 14 anos, incentivada a começar pela irmã. “Correr me deixa ´endorfinada´ e pronta para trabalhar o dia todo com muita energia”, afirma. Nice conta que quando não corre, se sente pesada e triste, como se estivesse sentindo falta de algo. “Em grupo o treino é mais divertido e você conta com os amigos para te dar forças", confessa.

fotos por Lorena Aguiar

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