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Grupo Cangapé

Tradição, modernice e regionalidade da capoeira Pernambucana

reportagem: isabela AGUIAR

edição: lETÍCIA SARINHO

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Na Zona Norte do Recife é possível notar uma casa de cor azul que extravasa o som de palmas fortes e um berimbau estridente, escoado para as calçadas da rua Oscar Pinto. Ali acontece a roda de capoeira do recém nascido Grupo Cangapé, formado em setembro de 2019 pelo contramestre Ourinho e capoeiristas que já se conheciam de outras rodas, mas sentiram a necessidade de renovar seus vínculos longe da estrutura hierárquica e das relações de poder que permeiam o jogo da capoeira. 

“Nada mais é jogado como antes”, assegura Vanessa Mokka, capoeirista em contato com o grupo antes mesmo de se chamar Cangapé. O rompimento com a tradição de algumas regras é comum na capoeira contemporânea, que passa inevitavelmente por transformações ao longo do tempo. 
 

O sincretismo, fruto da fusão das linhagens de Mestre Pastinha e Mestre Bimba, precursores, respectivamente, da capoeira Angola e Regional no Brasil, também se faz bastante presente na capoeiragem atual. “A gente costuma dizer que a capoeira jogada aqui é a Pernambucana, porque a roda que a gente faz é a de capoeira jogada no Recife”, explica Vanessa sobre a modalidade que mistura os aspectos tradicionais e regionais. Assim, o grupo Cangapé inicia a roda com um jogo mais parecido com a capoeira Angola, com movimentos mais baixos e lentos, que contornam o corpo do adversário, depois aumentam o ritmo pra um jogo que acontece mais em cima e acelerado, com os traços da capoeira Regional, ao som das palmas de terreiro. 
 

O primeiro contato com o jogo - que também é dança e música - foi feito por Vanessa quando buscava outra atividade física para melhorar o desempenho no ofício de mergulhadora. Hoje, a capoeira é o único exercício que pratica mas não é mais por essa razão que continua a se dedicar ao esporte, endossando o número de mulheres no jogo. A compreensão dos próprios limites, a pluralidade presente nas formas que cada um possui de jogar e o respeito que advém dessa diversidade dão razão à permanência da capoeira na vida de Mokka.
 

Baseada na própria experiência dentro de grupos que geralmente não se comprometem com a inclusão das mulheres na capoeira, Vanessa garante a presença majoritariamente masculina. “É um meio hegemonicamente misógino e muito machista, mas as mulheres têm ocupado mais esses espaços”. No grupo Cangapé a vivência é ampliada: o comportamento geral é centrado em amparar os filhos de mães que querem praticar a capoeira, mas encontram na maternidade obstáculos para comparecerem nos horários das rodas. “Sinto que não é por acaso que a gente tem tanta mulher aqui”, completa Vanessa sobre a postura de acolhimento da turma, que favorece a entrada de mulheres no universo da capoeira.
 

“Não sei se eu me sentiria tão à vontade quanto me sinto aqui se tivesse entrado para outro grupo de capoeira”, assegura Caio Nóbrega, que aos 32 anos de idade passou pela transição de sexo e duvida da aceitação em outros espaços. No Cangapé se sente mais do que aceito, sente-se parte: aguarda feliz e ansioso pela corda azul, a primeira da graduação na capoeira. Igualmente desejoso, espera Guilherme Barradas pelo seu batismo: “É bem significante para mim receber minha primeira corda desse grupo que eu vi se formar aqui, com essas pessoas que tanto gosto”, admite. O caminho até a corda amarela, que permite ao capoeirista se tornar professor, é longo; mais distante ainda estão as cordas roxa e vermelha, que representam, nessa ordem, a figura de contramestre e mestre de capoeira. Mas o percurso dispensa a pressa e a cobiça, porque o processo da troca de corda diz muito mais sobre as trocas que acontecem na vivência da capoeira como cultura, aquela que é cantada nas ruas, projetada na transmissão dos saberes pela oralidade, através do jogo, da dança e da música. 

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