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Esporte de grã-fino

PETRUS BARBOSA

Não costumo ser um ser de corpo são, porém gosto, de vez ou outra quando estou entediado, de procurar uma quadra de tênis e jogar um pouco. Mais um esporte de bretão na minha lista de favoritismos, elevo sempre para este como argumento a favor da sua prática a facilidade de se jogar, sem demandar a necessidade de muita gente – bastando apenas dois calangos com raquetes que está tudo certo. Bate bola inicia e a distração já está garantida.

Porém, entre tantos entretantos, considerando que é um esporte relativamente barato quanto a material e a larga disponibilidade de quadra pública em grandes centros urbanos, e que não demanda da boa vontade de tanta gente assim para se jogar, é de estranhar a litania de que o tênis é, sobretudo, um esporte de elite. Antes fosse, admito, já que a áurea britânica, junto com a sua contumaz polidez, levam a isso, tendo as maiores cortes do esporte ainda se localizando nas terras da elite britânica, A.K.A., da realeza. Um dia desses um amigo meu até discutiu comigo, afirmando que o tênis continua sendo coisa de elite, “esporte de grã fino”, segundo suas próprias palavras. “Poupe-me”, permiti-me responder, expondo aqui o que eu o disse naquela ocasião.
 

Sim, até hoje os condomínios fechados das grandes cidades por aí resguardam em seus equipamentos esportivos pelo menos uma quadra de tênis, perpetuando essa característica do esporte de ser de elite, porém, no Brasil, o tênis recebeu certa brasilidade e popularidade, graças ao cair do gosto do povo brasileiro quando grandes nomes do esporte eram tupiniquins. Costumo dizer que o brasileiro tem uma mania meio chata de apenas acompanhar certo desporto quando há um brasileiro ganhando com alta frequência as grandes ligas mundiais, podendo eu enumerar diversos exemplos – tal como o famigerado Guga, não por acaso o colocando aqui. Esse costume brasiliano não é de todo ruim, afinal, já que no caso do tênis isso gerou um movimento de popularização, sendo muitas vezes parte da política esportiva de certos municípios incentivar a prática deste.
 

Tal como um menino pobre pegando uma fruta em plantas de uma alameda de grandes casarios, os populares fizeram assim com o tênis. Viram as quadras vazias deixadas pelos ricos e foram lá aprender a jogar. Mesmo em áreas de classe alta, as quadras de tênis muitas vezes são frequentadas por jogadores mais humildes, e muitas vezes são a maioria. Os debochados endinheirados, pondo-se em seu imaginário baluarte do elitismo, se afastaram, trancando-se nos clubes onde lá sim o grã finismo predomina. No contraponto, a forma mais barata de praticar um esporte, afinal, é de se utilizar de estruturas que são de graça, e é assim que se deu no Brasil em sua ala mais real e popular. Em pouco tempo, os melhores professores e alunos do tênis não mais em sua maioria vinham dos Jardins de São Paulo, da Boa Viagem do Recife, do Leblon do Rio, mas sim das comunidades que as margeiam. O tênis se tornou algo mais do povão do que dos ricos. Tomamos para nós mais um esporte dos britânicos, e demos o seu devido valor social. 
 

Esporte de grã fino somente na origem, eu afirmo e reafirmo. Mesmo que o saibro seja escanteado pelas prefeituras, dando lugar ao concreto mal feito, o popular teima em jogar. Se enfia. Se torna um bom jogador. Se profissionaliza e cria escolas, atraindo alunos de todas as camadas sociais. Tolo aquele que acredita que há uma divisão social clara entre aqueles que jogam tênis e os que não jogam. Ora, em sua maioria esmagadora as quadras públicas mal tem cobertura, sob a intempéries constantes, fazendo com que todos os jogadores que pisam nelas sejam iguais. O sol abrasante do Brasil, afinal, acredita na isonomia, e queima a pele parda todos os dias tal como queima a branca, enquanto o suor de horas a fio do jogar pinga ao solo, quase evaporando no ar.  Mesmo com raquete de segunda mão e rede esfiapada pelo tempo, o tênis é reivindicado, não tirado da mão dos poderosos, mas sim compartilhado. De todos. O tênis não é mais da elite meu amigo, muito menos coisa de grã fino. O tênis, tal como todo bom esporte deveria ser, pode ser praticado por qualquer um.
 

Com uma quadra pública, duas raquetes e dois brasileiros, o jogo está feito, distração feita. Nada que requeira um bolso grande, não?

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