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Esporte Clube Bahia: revolução com democracia e inclusão

O clube mais popular do Nordeste entendeu sua grandeza

reportagem: vittoria fialho

edição: lETÍCIA SARINHO

Homenagens a Marielle Franco e Moa do Katendê, assassinados por motivações políticas. Uma mascote negra. Ronda Maria da Penha no estádio da Fonte Nova. Primeiro clube brasileiro a firmar parceria com o Observatório do Racismo. Ao inovar com seu Núcleo de Ações Afirmativas, o Esporte Clube Bahia mira não apenas promover transformações sociais por meio do futebol, mas se consolidar como o time mais democrático e inclusivo do Brasil.

“Tenho um orgulho danado de ser Bahia”, diz, emocionado, o engenheiro Pedro Lúcio, 25. O soteropolitano reside no Recife há seis anos, quando veio morar com a avó. Aqui, estudou, se formou e, segundo ele, se redescobriu como torcedor do tricolor baiano.
 

“Nunca pensei em viver longe, fisicamente, do Bahia. No coração, está perto, sempre. O tempo que estou aqui coincidiu justamente com uma virada de página muito importante para o Bahia. Só eu sei a felicidade de falar que torço por um clube que sabe a grandeza que tem. Quem faz o Bahia sabe o peso que um time de futebol tem na sociedade”, comentou.
 

O motivo do orgulho de Pedro Lúcio foi a virada de chave – e de pensamento – que o Bahia adotou. E a mudança passou por uma alteração de comando. Quando o então empresário Guilherme Bellintani decidiu concorrer à presidência do Bahia,  com o apoio de Marcelo Sant’Anna, na época presidente do tricolor baiano,  torcedores pautavam a vontade de que o clube fizesse valer a fama de time da massa. Bellintani surgiu como uma alternativa de continuidade ao trabalho de reestruturação que vinha sendo feito. Após vencer as eleições, logo nos primeiros dias de mandato, instituiu o único departamento de ações afirmativas do futebol brasileiro.
 

Em menos de um mês de existência, o Núcleo de Ações Afirmativas já fazia barulho no estádio e nas redes sociais. Uma das ideias de maior repercussão foi a Não há Impedimento, em combate à discriminação de gênero. A ação rendeu ao clube o troféu Honra ao Mérito da Diversidade Cultural LGBT, concedido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).
 

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foto: Felipe Oliveira/ECB

Outra bandeira permanente é a Mulheres no Futebol, que incentiva a participação feminina no clube e nas arquibancadas. Em março, após a realização de um questionário direcionado às torcedoras - mais de 120 e maioria negra –, o clube teve acesso a resultados de que 43% delas nunca foram sozinhas à Fonte Nova e 38% têm receio de frequentar o estádio por medo de serem assediadas ou agredidas em brigas de torcida. Com base nas principais queixas, o Bahia desenvolveu, em parceria com a Polícia Militar, a Ronda Maria da Penha – composta por oficiais do sexo feminino – para atender exclusivamente às torcedoras na Fonte Nova.

 

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Em 2018, na série de ações do Novembro Negro exaltando heróis e personalidades negras, o Bahia inovou nas homenagens. Em uma delas, jogadores entraram em campo estampando em suas camisas nomes históricos como Dandara, Zumbi dos Palmares e Moa do Katendê. Depois, os homenageados foram artistas, integrantes do movimento negro e ativistas, entre eles o cantor Gilberto Gil, o repentista Bule-Bule e a influenciadora Tia Má.
 

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foto: Divulgação/ECB

Na temporada de 2019, o Bahia é o único clube da elite do futebol brasileiro a ter um técnico negro à frente da equipe. Após a saída de Enderson Moreira, em março deste ano, Roger Machado chegou e, além da importância dentro de campo, protagoniza importantes debates fora das quatro linhas. 
 

Em entrevista concedida após perder de 2x0 para o Fluminense, no Rio de Janeiro, Roger pôs a derrota em segundo plano e falou abertamente sobre o racismo institucional – e estrutural - presente no país, explicitado no futebol. No jogo, uma ação do Observatório do Racismo aconteceu envolvendo os treinadores; na coletiva, Roger foi perguntado a respeito da importância do movimento. Os que esperavam uma resposta protocolar viram o racismo dissecado na visão do treinador tricolor. 
 

“O preconceito que sofro é quando vou a um restaurante e só tem eu de negro. Fiz uma faculdade onde só eu era negro. As pessoas podem falar que não há racismo porque estou aqui, e eu nego: há racismo porque só eu estou aqui”, declarou o técnico.
 

“A gente tem que se questionar: se não há preconceito no Brasil, por que os negros têm um nível de escolaridade menor que os brancos? Por que a população carcerária é 70% negra? Por que quem mais morre são os jovens negros no Brasil?”, destacou Roger.
 

A ação mais recente do Bahia envolveu o crime ambiental nas praias do litoral nordestino. Nela, o clube propôs entrar em campo com a camisa marcada por manchas de óleo. Em movimento individual, o tricolor foi o primeiro clube do Brasil – e do Nordeste - a se posicionar a respeito do assunto.

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foto: Divulgação/ECB

A RESSIGNIFICAÇÃO DEMOCRÁTICA EM TRÊS CORES
A abertura às ações afirmativas é fruto do processo de democratização do clube, iniciada em 2013, que interrompeu um período de 15 anos em que as famílias Guimarães e Barradas se revezaram no poder do tricolor baiano. Após a deposição de Marcelo Guimarães Filho por improbidade administrativa, a modernização do estatuto do Bahia se tornou prioridade. 
 

Ainda em 2013, foi aprovada a eleição direta para presidente. Na gestão de Marcelo Sant’ana, que assumiu em 2015, as finanças foram saneadas, dando fôlego ao sucessor para tocar o futebol e seguir com a “revolução” institucional.
 

Em maio de 2018, o Bahia deu um passo significativo na consolidação como um clube democrático. A partir do plano Bermuda e Camiseta, com mensalidade de 45 reais, 2.000 vagas foram abertas no seu quadro de sócios para torcedores que recebem até 1.500 reais se associarem e, consequentemente, ganharem direito a voto. Outro fator de aproximação é a precificação na venda de camisas oficiais. Após optar pela marca própria, o Bahia passou a adotar um valor popular, possibilitando maior inclusão do torcedor de baixa renda.
 

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