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Casa, torcida e alma lavada

vittoria fialho

O futebol costuma dar de ombros para a sensação de estabilidade e prova, apenas existindo, que todo segundo de tempo é uma eternidade fugaz. Na vida, o que não se faz em um minuto, o futebol resolve em meio milésimo.

 

No dia 8 de setembro de 2019, o futebol se encarregou de preparar um roteiro de cinema no estádio dos Aflitos. Um filme que separou eras, dividiu uma história centenária e exorcizou fantasmas do passado.

 

Em meio a filas quilométricas, quatro dias foram suficientes para esgotar até mesmo o não-espaço. Se a ansiedade ditasse regras, a madrugada do sábado para o domingo teria sido vivida dentro da segunda casa de todo alvirrubro. 

 

O elenco chegou em meio a um fiel tapete vermelho - e branco. Um mar de gente demasiadamente barulhento, ensandecido, mas dono de um acolhimento invejável. Na Avenida Rosa e Silva, um feito para o livro dos recordes: o maior abraço em linha reta já visto. Em números e paixão.

 

Quando Nicolas fez o segundo gol do Paysandu e abriu 2 a 0, os aflitos mergulharam no mais absoluto torpor. Um barulho regado a mudez. Um constrangimento que pegava na mão de cada testemunha a levava - em mente e coração - a passear por tragédias recentes. De novo, tudo de novo. Houve quem chorou, quem consolou e quem, inutilmente, tentou se equilibrar.

 

Do pênalti marcado no último minuto ao grito de Aroldo Costa na cobrança que consumou o acesso - convertida por Matheus Carvalho - um portal se fechou. Era o fim de uma era. Era o futebol rebatizando um clube que ansiava por um ressurgimento. E o teve.

 

A apoteose que se seguiu à vitória, à classificação e ao acesso foi tatuada na memória de cada alvirrubro que naquele concreto pisava. E sem permissão. Simplesmente foi. 

 

Mais de cinco anos longe de casa, o Náutico ressignificou a saudade. Ela se chamava Aflitos. Cheio, transbordou. Pessoas e sentimentos. Foi o dia do alívio.

 

No fim, o campo foi tomado pela incredulidade mais feliz vista nos últimos tempos. Os homens que tentaram conter, se renderam. A paixão tomou forma. Mais uma.

 

E as nuvens pesadas - antes da partida - que prenunciavam chuva, nem precisaram molhar a festa. A alma foi lavada sem se fazer necessário um pingo d’água. O futebol, mais uma vez, se encarregou do feito.

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