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Real e social:  badminton como ferramenta de inclusão 

Projeto encabeçado por irmãos promove uma nova perspectiva de futuro para crianças e adolescentes

reportagem: vittória fialho

edição: letícia sarinho

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O professor de Educação Física Cláudio Santos, 34, já tinha se dado conta de que trabalharia transformando realidades quando o badminton entrou em sua vida. Conheceu o esporte de raquete mais rápido do mundo em 2017 quando ganhou ingressos para uma partida em Caruaru, no Agreste do Estado. Na ocasião, ele já tinha o sonho de realizar um projeto social com o irmão, Nildo Santos, e viu nesta modalidade o "casamento perfeito". “Lembro como se fosse hoje. Naquele esporte, vi a oportunidade que sempre sonhei. Liguei para meu irmão e falei: ‘não me contaram, eu vi, é a nossa chance’”, lembra Cláudio, emocionado, ao revisitar em pensamento o encontro.

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Cláudio e Nildo tinham a ideia antiga de unir o esporte, o público infantil e a promoção da inclusão social e, entre impasses e certezas, tinham como a principal delas o lugar de ação: a cidade de Bonito, no Agreste de Pernambuco, onde ambos nasceram. “Não tive dúvidas. Sou louco igual a ele. No mesmo dia, compramos parte do material pela internet e começamos a colocar em prática esse sonho. E tinha que ser em Bonito”, reforça Nildo, descrevendo o momento como se o tivesse vivido na noite anterior. Tem guardado cada detalhe. 

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Persistentes, os irmãos, sem qualquer ajuda financeira externa, movimentam uma engrenagem que impacta diretamente o município em que vivem. Há um ano e nove meses, a dupla leva a frente o Projeto Social Real Bonito. Hoje, 72 alunos renovam, diariamente, a ideia de que sonhar junto é fundamental.
 

FUNCIONAMENTO DO PROJETO

O que parecia uma simples diversão para muitos, desde o início, foi aliado a um objetivo: promover a inclusão social.

Tudo através do esporte. “Começamos com crianças da nossa rua e hoje trabalhamos com mais de 70, incluindo adolescentes. Eles passam pela quadra e aquilo desperta a curiosidade. Fazemos o convite e a partir daí, tudo acontece”, comenta Nildo.

Foto: Reprodução/Instagram.

Cláudio Santos e Nildo (centralizados, da esquerda para a direita), respectivamente

Os treinos ocorrem de segunda a sábado, na quadra da Escola Técnica Estadual (ETE) Célia Souza Leão, em Bonito. Uma taxa simbólica de R$ 5 é cobrada mensalmente a cada aluno visando a renovação dos materiais utilizados. Mas o principal exigido, desde o início, além da dedicação nos treinos, é o bom desempenho escolar. E tem dado resultado.“A gente quer ter bons alunos e bons estudantes. Antes do projeto, a escola em que treinamos tinha média 4.8 e hoje tivemos a notícia que foi avaliada em 5.2. Isso deixa a gente muito feliz”, disse Cláudio.

O projeto comporta alunos de mais de 10 escolas, públicas e privadas. Os números empolgam os irmãos, que refletem sobre o fato de terem que lidar com eles desde o rascunho da ideia. "A gente vive para isso. Trabalhamos felizes, mas lidamos com os números desde sempre. Temos muitas contas para pagar", ri ao lembrar, descontraindo. O projeto é bancado pelos irmãos, que contam com apoio da prefeitura de Bonito apenas para determinadas ações.  

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Foto: Cortesia/Real Bonito

Dia de treino na ETE Célia Souza Leão, em Bonito.

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A INCLUSÃO QUE ENSINA E TRANSFORMA

No esporte em que pouco se leva em consideração a força, a leveza dos gestos é cada vez mais valiosa. Dentro e fora das quadras, o Real Bonito reforça a sensibilidade que o nutre desde sua concepção.


Hoje, cinco alunos surdos fazem parte do projeto. Junto a eles, o professor e intérprete Gleysson Alves, 32. Além do suporte direcionado no dia-a-dia, aulas de libras são desenvolvidas na comunidade. Nelas, alunos, professores e familiares têm espaço. São momentos abertos para todos.


Segundo Cláudio, nem sempre os demais alunos integram os momentos com frequência. Aos que comparecem, o resultado é positivo. “Selecionamos alguns para viajar com a gente e ajudar na comunicação entre a arbitragem e os alunos especiais. Quando percebemos o interesse, apoiamos”, diz.
 

No sábado 12, aconteceram os Jogos Paralímpicos do Recife. O evento, organizado pela prefeitura da capital, foi realizado no ginásio da Escola Estadual de Referência Santos Dumont, com o Real Bonito marcando presença.

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Foto: Vittória Fialho

Alunos presentes no ginásio do Colégio Santos Dumont.

Mirele Leandro, 19, foi uma das representantes da equipe bonitense no campeonato. Ela conheceu o projeto através de uma amiga e, há sete meses,  preenche os dias com treinos, raquetes, petecas e muito acolhimento. Mirele enfrentava um quadro depressivo quando aceitou o desafio que o badminton lhe trouxe e, hoje, revela ter ânimo. 

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Mirele, entre tantos casos, é um exemplo do impacto do esporte na qualidade do jovem com surdez. De acordo com a psicóloga Aldineide Pereira, a prática esportiva oferece mais conhecimento de si mesmo e do mundo. 

“Uma criança com surdez que se exercita com regularidade pode reduzir sintomas de ansiedade e depressão, além de fortalecer o desenvolvimento corporal. Uma maior confiança individual”, explica Aldineide.

 

PANORAMA DO PAÍS

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2015, apontam que no Brasil existe um total de 28 milhões de pessoas com surdez. O número representa 14% da população brasileira. Entretanto, apesar dos ganhos quando criado um vínculo com a prática esportiva, a ponte entre as duas partes ainda é, muitas vezes, carente de eficácia.


Há um impasse no que diz respeito à representação esportiva da comunidade surda. Oficialmente, a Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos (CBDS) é o meio de simbolização nas instâncias oficiais. Mas, por terem condições de competir sem equipamentos específicos – ou condições especiais -, os surdos não estão ligados ao Comitê Paraolímpico Brasileiro. A situação dificulta a conquista de apoio, o que implica em um menor reconhecimento pelas instâncias governamentais e, assim, menos recursos para se desenvolver.

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