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A maior de todas as derrotas

lucas holanda

O futebol sempre esteve presente na minha vida. Minha primeira lembrança com o esporte mais popular do mundo foi, por incrível que pareça, um jogo onde o Sport, meu clube do coração, perdeu para o Santa Cruz, seu maior rival. A peleja ocorreu no longínquo 2004, na Ilha do Retiro, e Carlinhos Bala - que viria a se tornar um grande ídolo no Leão - foi o autor do gol que deu a vitória ao Tricolor do Arruda. Mas essa foi apenas uma derrota comum. Não foi a catástrofe insuperável - até o momento - que aconteceria cinco anos depois. Um dia no qual derramei lágrimas pela primeira vez após um jogo. E não fui só eu. Milhares de Rubro-Negros não conseguem aceitar o que aconteceu naquela noite de 12 de maio de 2009.

Para entender o drama vivido naquela noite, precisamos voltar a 2008, ano no qual o Sport foi campeão pela primeira vez da Copa do Brasil, se tornando o único nordestino a conseguir tamanha façanha - até hoje é. Durante a campanha que levou o Rubro Negro da Praça da Bandeira ao título, foi criada uma relação ainda mais intensa entre Ilha do Retiro, torcida e time. A "Bombonilha", como ficou conhecido o Adelmar da Costa Carvalho, teve cerca de 30 mil torcedores a partir das oitavas de final, sendo o local do túmulo dos adversários. De diferentes formas. Com a conquista do Campeonato, o Sport foi coroado com a vaga na Copa Libertadores da América, torneio de clubes mais importante do continente e no qual o Leão só havia participado uma vez, no distante 1988, após ser o único e legítimo campeão brasileiro de 1987.

Quando o Sport foi campeão da Copa do Brasil, tinha apenas oito anos. Mas já era bem envolvido. Dos seis jogos que o Leão disputou em casa no torneio, fui a dois. Como era muito novo, dependia muito do que meu pai decidia. Mas estava sempre com o coração presente, seja pelo rádio, pela tv de casa ou assistindo em algum barzinho de Olinda. E, naturalmente, com a campanha feita pelo Sport, o sentimento que  tinha para a Libertadores de 2009 era de que na nossa casa a gente iria decidir. Não perderíamos para ninguém, como foi em 2008. A "Bombonilha" ou a "Ilha de Lost" continuaria sendo um túmulo para os adversários. Claro que era muito difícil pensar em título, mas o garoto utópico aqui já imaginava uma final contra o Boca Juniors - onde ganharíamos na Ilha.

Pois bem, o Sport estreou na Libertadores no dia 18 de fevereiro de 2009, data do meu aniversário. E ganhei um baita presente. O Leão foi até o Chile e venceu o Colo-Colo por 2 a 1. Na segunda rodada, derrotou a LDU na Ilha. Como os ingressos eram muito caros e meu pai na época não tinha como pagar, não fui a nenhum jogo da Libertadores - nem no fatídico dia 12 de maio. O trailer da tragédia que aconteceria meses depois aconteceu no terceiro jogo do Rubro Negro na competição continental. O Sport recebeu o Palmeiras e acabou perdendo por 2 a 0. E foi difícil de aceitar, já que pressionamos o tempo inteiro e não conseguimos marcar um mísero gol. Mesmo sendo um resultado bem inesperado da minha parte, não era nada desesperador, já que tínhamos seis pontos e estávamos com a classificação encaminhada, que se confirmou com uma rodada de antecedência, quando derrotamos na Ilha o mesmo Colo-Colo da estreia por 2 a 1 - de virada.

O adversário das Oitavas de Final seria o Palmeiras, que durante a fase de grupos nos derrotou na Ilha e empatou no estádio deles. Mas também era o Palmeiras que havia tomado 4-1 nesta mesma fase, mas em um confronto válido pela Copa do Brasil de 2008. O Verdão só conseguiu a classificação para o mata-mata na bacia das almas. Estava eliminado até os 40 do segundo tempo, quando Cleiton Xavier acertou uma paulada do meio da rua e classificou a equipe paulista, que passou em segundo, atrás do próprio Sport. E quis o destino que eles se cruzassem, onde à decisão seria na Ilha do Retiro. Na nossa casa. Onde o massacramos um ano antes. Onde nós mandávamos.

No primeiro jogo, no Parque Antártica, 1 a 0 para o Palmeiras, em um jogo onde o Sport foi muito mal e o placar foi até bom. Nesse dia, ouvi a peleja pelo rádio, já que não tinha Tv por assinatura e meu pai não havia chegado a tempo de assistirmos. Ao fim do jogo, tinha a certeza de que passaríamos. O 1 a 0 que o Palmeiras tinha em vantagem era mínimo diante da força da Ilha do Retiro. Eu enxergava o Sport pronto para seguir fazendo história.

No dia 12 de maio, data da peleja, meus primos foram lá para casa, já que iríamos assistir ao jogo em algum barzinho quando meu pai chegasse. O tempo foi passando e nada do meu pai chegar. A bola rolou e tivemos que recorrer ao rádio. Não vimos ao vivo Paulo Baier desperdiçar as três chances que ele teve para abrir o placar na primeira etapa; nem tampouco as defesas milagrosas de Marcos. Mas estávamos sentindo. A cada minuto a certeza de quero Sport iria se classificar era enorme. O Leão era dono do jogo e, com toda essa pressão, o gol iria sair.
Durante o intervalo, eis que meu vizinho e o seu tio tricolor convidam eu e meus primos para assistir ao segundo tempo em uma pizzaria ali perto. Aceitamos o convite na hora. Chegamos lá, nos acomodados e o jogo reiniciou. O Sport pressionava e nada do gol sair. Até que, por volta dos 30 minutos da etapa complementar, ouço um torcedor que estava com seu rádio gritar gol. Fico sem entender por alguns segundos, até que vejo Luciano Henrique entrar na área e cruzar rasteiro para Wilson empurrar a bola para as redes e explodir milhões de apaixonados.

Já tínhamos feito o primeiro e precisávamos de mais um para evitar a cobrança de pênaltis. E, minutos depois após o gol do Sport, o Palmeiras perdeu o volante Pierre. A certeza, que já era grande, aumentou bastante. E o Leão seguiu pressionando. Já nos acréscimos da partida, Marcos faz um milagre e conta com a sorte em outro lance. A vaga nas quartas de final seria decidida nos pênaltis.

Tínhamos Magrão, então a certeza que ele pegaria um era grande. E ele fez. Defendeu o primeiro pênalti do Palmeiras, mas Luciano Henrique também perdeu. E depois foi só tragédia. Dos quatro pênaltis que o Sport bateu, só fez um; enquanto o Palmeiras converteu três vezes. No último pênalti do Sport, que Dutra bateu, pedia aos céus constantemente para não acabar o sonho ali. Não era justo o Sport ser eliminado após encurralar o Palmeiras no tempo normal. Mas não teve jeito. Marcos defendeu a cobrança e saiu correndo em direção à torcida alviverde.
O silêncio tomou conta da pizzaria. A decepção estava na cara de todos os torcedores do Sport. E não só ela. Havia lágrimas incontáveis em alguns. Inclusive eu. Saí da pizzaria chorando e questionando os nomes que Nelsinho Baptista escolheu para bater o pênalti. Até hoje não perdôo Paulo Baier. Ele perdeu três gols no primeiro tempo que poderiam ter mudado a história não só do jogo, mas do Sport enquanto clube. Quem garante que se ele faz os gols nos não avançávamos e conquistávamos a Libertadores?

A derrota nos pênaltis para o Palmeiras gerou um trauma enorme em todas as gerações do Sport. Desde de Dona Maria, torcedora símbolo do Leão desde os anos 80 até eu, que na época tinha 9 anos e até hoje não sei como superar aquele confronto. Éramos imbatíveis em casa e fomos eliminados de forma angustiante, sendo a maior de todas as derrotas que o Sport já teve. Uma derrota dura, injusta e que só será sarada quando o Rubro Negro erguer a taça da Libertadores - se um dia isso acontecer. Caso não aconteça, 12 de maio de 2009 ficará marcado como o dia do quase, do se, do por que, do talvez, do dava para ter feito diferente. Para se ter ideia do trauma, até hoje reluto em assistir os melhores momentos daquele jogo.

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